27 de maio de 2010

Arrancar a Carne da Boca do Lobo

Assustar. Ameacar. Mostrar unhas. Mostrar dentes. Cercar. Golpear. Estufar o peito para parecer maior. Rosnar. Intimidar. Reunir a matilha, cercar o inimigo, emboscar. Enquanto eles mordem a jugular o inimigo grita, e aproveito para arrancar a carne de sua boca. O Sangue jorra, e nele nos banhamos, urrando vitoria aos 4 ventos, a pele tesa de adrenalina. A vitória é recompensada com o silêncio dos humilhados, a quietude dos vencidos, e o barulho dos vencedores, o tesão químico provocado pela descarga de hormônios, a excitação sádica da prevalência do mais forte. Ao vencedor, as carnes se oferecem. Ao perdedor, melhor que não morra, para apreciar de baixo a minha vitória.

19 de maio de 2010

Virada Cultural 2010


 

Para mim e para quem estava comigo foi uma Roubada Cultural. Para algo que se propõe a ficar 24 horas no ar, tinha muito palco e muito intervalo entre shows. Eu andei pra cacete (o que é bom pelo lado da saúde, mas que fosse com menAs cerva na cabeça, num parque...), desencontrei com todo mundo que eu queria ver, perdi coisas que achei que durariam mais...  na próxima fico só no Anhangabaú, que é o que liga, esticando no máximo até a República - ou vou pra outro ladfo e fico por lá. Ok, acho que tou ficando velho... ou sempre fui... na próxima consulto a programação... perdi a guerra de sabres de luz na praça Roosevelt...



6 de maio de 2010

Esvaziar-se


Começou a vender, a doar e a livrar-se das coisas que não tinham mais utilidade, as tralhas de uma vida que não caberiam nunca no novo apartamento - aliás, nem cabiam no velho. O DVD do Poder do Mito. Uma coleção de dvds do Woody Allan. Aliás, o certo mesmo era mandar embora todos os dvds, pois agora assistia filmes baixados da internet do computador diretamente para a tv, dvd era coisa do século passado. A ergométrica-cabide já fora tarde. As bicicletas idem, usadas nem 5 vezes cada uma. As toneladas de celulares quase bons, substituídos sempre por outros celulares mais novos e também quase bons. Os livros da coleção do verão passado. Os livros de faculdade, os diplomas da antiga empresa, os manuais de procedimentos da qualidade total que nunca mais seriam usados, pois a qualidade total agora era integrada com a sustentabilidade e com as demais regras do capitalismo politicamente correto, eco-logicamente, embora muitos ainda achem que é pra inglês ver, e americano rejeitar, polidamente, em nome da liberdade.
Aquele cata-cata estava virando uma terapia da vida passada, que se repetia diante dos seus olhos, puxando memórias, provocando saudades ou gratidão (ainda bem que isso é passado!!!), dependendo do objeto e de seu contexto.
Algumas coisas eram inexplicáveis, como aquela calculadora com mais de 15 anos que ainda funcionava; duas caixas de sapato lotadas de disquetes de 1,44'' (cujo conteúdo caberia hoje em um pen drive qualquer, ou cartão de memória de celular dos velhos); e a impressionante coleção de carregadores, fios, cabos de rede, cabos de telefone, cabos de força, fones de ouvido, microfones, cabos usb, cabos de impressora, peças sobressalentes de uma cultura de sobressalescência, se é que a palavra existe. E, no paraíso dos anos 90, eis que surge um tupperware lotado de fitas cassete, gravações de rádio, playlists da infância, pequenas máquinas registradoras do nosso empenho manual e pessoal, que enrolavam e eram desenroladas pacientemente, com uma velha caneta bic e muito cuidado.
Ao esvaziar as prateleiras, imaginava-se fazendo uma limpeza mental. Afinal, ele era aquilo que consumiu, alimentar e culturalmente, durante sua vida até aquele momento. homo consummens, o sucessor do homo sapiens, não faz, não sabe fazer, compra feito, certo? Então, por que sentia-se mal? Por que o saudosismo? Talvez, porque tivesse cansado de mudar de formato, de aprender de novo o novo, de concorrer pelo grande prêmio do saber que nunca chegava. Nada de Star Trek, nada de viagens pacíficas de pesquisa que lutavam pela autodefesa, o mundo era muito mais Star Wars, mundos e mais mundos sempre em guerra, a sabedoria Jedi sempre usada para a guerra, o marketing de guerra Jedi, camuflado de coisas simples e rústicas, como a padaria com fachada de madeira e atendentes vestidas como mucamas coloniais, ou o boteco novo com cara de boteco dos anos 40, azulejos antigos, balcões e penduricalhos, que metem a faca pelo 'ambiente' e 'experiência' proporcionados... o simples caro que se torna simulacro mais verdadeiro que o boteco do centro que traz o bêbado pobre e o torresmo com pelo, ao lado do ovo azul.
Pensando nisso tudo, ele parou de escanear as fotos velhas. Decidiu que, ao menos, sua famíla e amigos não seriam jogados fora, envelheceriam normalmente, em papel, sem photoshop.

5 de maio de 2010

A Festa Monstro

Um dia, um grupo de monstros que não se encontrava há muito resolveu dar uma festa, para partilharem entre si suas monstruosidades. Na monstronet, trocavam mensagens assustadoras, um dizendo que iria exibir seus dentes, que haviam se desenvolvido demais e irregularmente, enquanto outro dizia que exibiria seus braços, um de cada tamanho e com milhares de dedos em cada 3 (ele tinha pares de 3 braços cada). Um outro monstro anunciava que seu fedor havia piorado com o tempo, e um outro levaria sua família monstruosa.
No dia da festa, salão decorado horripilantemente, buffet com as gororobas mais estranhas para se comer, e os monstros começaram a chegar.
Todos chegaram em carros novos, trajados elegantemente. O monstro que se dizia mal-cheiroso emanava uma essência deliciosa. O montro dos dentes horríveis apresentava lindos marfins, quase azuis de tão brancos, alinhados como caixas de leite na prateleira do mercado. O monstro braçudo nitidamente havia malhado, e o monstro de família parecia ter contratado sua esposa e filhos em uma agência de modelos.
Os quatro monstros se abraçaram, cumprimentaram os outros monstros convidados, pegaram suas bebidas e reuniram-se num canto do salão, ao lado de um Frankenstein de fibra de vidro, e começaram o papo:
 - Fedido, você tá perfumado! disse o monstro braçudo, que ouviu de volta:
 - E você tá saradão, seus bracinhos tão quase do mesmo tamanho...
 - E você dentuço, botou aparelho? perguntou o monstro de família.
 - Pois é, rapaz, eu agora sou modelo e ator, tenho que cuidar da aparência... mas sua esposa também é modelo, certo? perguntou o monstrengo, já nem tão dentuço assim, ao monstro família.
 - É, ela é modelo, como sabe?
 - Acho que participei de um teste para um comercial de fio dental com ela...
 A festa transcorreu tranquila, todos foram saíndo. O monstro braçudo teve que trocar o pneu, furado pelo tomador de conta que não recebeu dele permissão para olhar o carro. O dentuço brigava com o Valet, dizendo que este havia arranhado a roda de liga leve do seu SVU na guia, o que o rapaz negava veementemente, (não, doutor, já tava assim, a gente tem um sistema, marcamos um risquinho no papelzinho que fica com a chave, olha aqui)...
A família monstro saiu discutindo, o marido não gostou que a esposa parecia ter dado abertura a um "Anormal" (SIC) que olhou pra ela a festa inteira, enquanto que a filha se pegava com o irmão por ele ter se pegado com o rapaz vesgo que ela tava de olho, o irmão dizendo que ele olhava para os dois ao mesmo tempo.
Por fim, alguns dias depois o dentuço desabafou na monstronet, dizendo que ficara muito desapontado com a festa, sentia que já não eram as mesmas pessoas, ele inclusive. Filosófico, dentuço tentava descobrir dele e dos outros o ponto onde haviam deixado suas monstruosidades, pois agora ele tinha certeza, não passavam de um bando de humanos de meia-idade, sem grandes sonhos, sem grandes dentes, sem a vida doce de seus áureos tempos de monstruolescência.

4 de maio de 2010

O Monstro, de Novo

Chegou o Monstro. Aquele inesperado e indesejado resultado das nossas ações insensatas. O Monstro é problema, ele causa dor porque sua dor extrapola seu corpo, é visível aos olhos mimados dos doces normais. O Monstro é podre, mas não porque seja sujo, é que sua condição exala o cheiro ruim. O Monstro não faz mal, ele simplesmente não mede sua força, e destrói a beleza com sua mão monstruosa. O Monstro tem pensamentos bons, mas sua aparência causa tamanho nojo que não há tempo de conhecê-lo. O pesadelo do Monstro é tentar chegar perto de alguém e assustá-lo; é tentar explicar que sua essência é boa, porém ser impedido pelo preconceito geral. O Monstro perde, então, as estribeiras, solta um urro profundo de dor pura, de tristeza plena, e sai correndo, derrubando tudo o que encontra em seu caminho.
Mitológico? Claro. O Monstro aqui é o mito da perda de controle do humano. Mas não tenha dúvida, toda perda de controle será recompensada com a morte na fogueira provocada pela multidão enfurecida com suas tochas acesas, bradando por justiça. Enquanto isso, a nobreza continua a assistir a tudo do alto de sua torre de cristal, o padre já se recolheu, fingindo que não é com ele, e o banqueiro reforça a porta do cofre.