10 de outubro de 2019

O Mito de Pinóquio

Fonte da imagem: Abertura da série "The Politician" (Netflix): 

Quanto falta para você se tornar um "menino de verdade"? O que precisa fazer? Mudar de sexo? Emagrecer? Passar no vestibular? Ganhar mais? Virar mestre, doutor, pós doc?

A cada passo que dou, ou não dou, vou percebendo que vim pra esse mundo para notar como sou pequeno, e para aceitar minha pequenez. Só que, muitas vezes, o processo de se perceber pequeno, passa pelo de se perceber Pinóquio, o menino de madeira que queria ser um menino de verdade, amado de verdade, com razão e aplausos como seus fiéis avalistas.
Pinóquio quer muito ser de verdade e, assim, de fato pertencer a um mundo que apenas frequenta, um mundo feito para outros e não para si, onde seu corpo de pau é um corpo estranho. Pinóquio vive, contudo, um dilema: ele deve se comportar bem, para que um dia ganhe o merecido prêmio da transformação em humano, mas é tentado pela vida a fazer coisas que lhe dão prazer, afinal é isso que humanos fazem. Humanos vivem uma vida cidadã, uma vida de pertencimentos, uma vida plena. Humanos fazem besteiras, cometem erros grandes. Mas nem todos podem, pois não estão na mesma categoria. Os cidadãos podem. Aos outros, é vendida a ideia de mérito. "Se você se comportar/se esforçar/lutar com mais afinco/não fazer merda, será um de nós".
Em muitos níveis, somos todos Pinóquios. Dificilmente alguém está satisfeito com o nível de humanidade que atingiu. No entanto, algumas portas não se abrem via mérito. por mais que pintemos a pele com marcas e flores, esta sempre delatará que foi feita de um toco de madeira, de um nó de lignina.




Querer Tudo

As pequenas negociatas. Não consigo ceder, não consigo querer menos. Não é que eu seja ambicioso em termos materiais, pelo contrário. Só que quero do meu jeito. O meu jeito. O meu. Eu. Não quero me contentar com menos do que aquilo que imagino justo. Será que, por isso, sou ingrato? É fácil para aqueles que acham que há um ser superior vigiando e guiando seus passos, contentar-se. Não me contento, porque haveria de me contentar? Dar graças por ter pernas e braços e olhos e cérebro? Sim, existem os que nada tem. Não existo se não do meu jeito. Por isso sou tão babaca. E egocêntrico também.

In Vino Veritas

Sou um amante da verdade. Adoro a crudeza de um sorriso escrachado. Amo um descontrole emocional. E um deboche amigo. Essas coisas só são possíveis em ambientes não envenenados pela pretensão. Por isso, odeio a pretensão. E odeio os pretensiosos que pretendem ser a evolução da humanidade mas, por isso mesmo, são exatamente o contrário. São as asas de Ícaro, que por mais alto que o levem, ainda são de cera, e derretem com o calor.
Pois é, mas a pretensão é uma praga. O cara se acha o tal amaral, porque marcou mais pontos que o outro, porque teve mais mulheres, mais carros, mais publicações, mais influência com o regente da orquestra, mais amizade com a rainha do baile, mais bala na agulha com o prefeito da cidade.
Para minimizar essas diferenças entre diferentes poderes e moedas, e para talvez trazer à tona a essência primordial, pura e simples, dos homens e mulheres, criou-se a bebida alcoólica. Extremamente democrática, coloca todos no mesmo nível, por apenas uma noite. Depois, tudo volta ao seu desequilíbrio de casta usual.