15 de julho de 2012

Link

A casa escura e vazia. A minha presença não enche todo esse espaço, então prefiro apenas o quarto. O silêncio faz com que pensamentos e memórias tornem-se muito mais palpáveis. O som que vem da janela é como uma concha, pode-se ouvir algo do mar ao fundo, e por cima buzinas, freadas, vozes e aviões. Eu tenho um pouco de medo desse barulho, e acabo colocando algo mais barulhento por cima, como uma camada sonora extra. O medo não é do barulho em si, mas sim dos pensamentos que tento abafar. Na arca bíblica, perdida num mundo feito de água, e levando consigo a súplica duplicada do choro de todos os animais, Noé teria se queixado de não ser capaz de ouvir os próprios pensamentos. Sou o meu prórpio Noé, e sou também minha arca. Embora queira acreditar que não sou mundano, percebo que ninguém , de verdade, é terreno. Vivemos para o futuro, estamos aqui hoje em função do passado de outrém, e nunca somos verdadeiramente nós.

Nós, pronome da primeira pessoa do plural, ou nós, o plural de nó. Não somos nó, somos links, hiperlinks. Um nó, dado em uma corda de barco, por exemplo, representa um compromisso estabelecido entre a corda e o mastro, entre o barco e o porto. Um link é apenas uma referência, um indicativo que dá passagem a um outro elemento. O link representa o elemento, mas não assume características daquilo que é representante. É uma referência sem compromisso, sem garantias, se o site linkado não estiver mais ali, paciência. Como já disse, nunca somos nós. Somos, no máximo, links.

Trabalhamos para o futuro, e nos narcotizamos no presente para que possamos tolerar chegar um dia ao inatingível futuro. Quando eu tiver barba, quando fizer dezoito, onde estarei daqui a 5 anos, os fins sempre justificando os meios, a felicidade sempre sendo postergada. Deixamos para o meio apenas o vazio. O plasma a que chamamos "Ar" a nos rodear, como um grande espírito nos envolvendo, claramente sussurrando ao pé de nossos ouvidos "és ilha". Encontramo-nos cercados de um escuro que rouba a luz, em ambientes que parecem impedir a propagação, por mais que se troque a lâmpada, mas tudo continua opaco.

Algum dia, não muito distante, entrarei no mar de sons, não mais o ouvirei de dentro da concha, mas farei parte das buzinas, freadas, vozes e barulhos de avião.Talvez leve comigo um fone de ouvido. Mas, por hora, tenho muito o que pensar e lembrar. E costurar.

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