26 de março de 2010

O Conhecimento Desnudo

Recuperou as forças e se levantou, o corpo nu empastado de lama e outras coisas. Era manhã, não se lembrava de nada. Nem da cidade em que estava, nem o ano, nem se tinha família. Mente confusa e vista sensível, como a de quem sai de um porta-malas após um sequestro. Mas não lembrava de sequestro. Nem de nada.
Achou um cobertor velho e se enrolou. Tinha pudor e tinha nojo, precisava de um banho. Andou durante meio dia, e achou uma fonte no centro. Tirou a coberta, mergulhou e se limpou como pode.Sentiu vontade de sair nu, sem a coberta, mas sabia que seria preso, então se cobriu, sem vergonha.
O homem chegou à noite em um parque agitado por esportistas, mesmo sendo noite. Não se lembrou de um dia ter estado no parque, mas algo era familiar. Já pertencera áquele grupo. Já fora um deles. Nenhuma memória, só uma sensação estranha de ter sido expulso do grupo, de ter sido rebaixado. Pensou em como era curioso viver uma situação na qual nunca se imaginara, Não lembrava de quem era, mas sabia que nem sempre fora um mendigo nu e sem memória. Aos poucos, percebeu que perdera mais que a memória, questionava na verdade sua própria história, e se realmente teria vivido alguma. Talvez tenha perdido algo que na verdade nunca teve. A lama era real, o cheiro de chão, chuva e corpo eram reais, não as roupas incômodas dos passantes, com suas gravatas, ternos quadrados e barras italianas - no caso dos homens, pois as mulheres era pior, pois uma mesma roupa precisava significar seriedade e sedução. Isso sem falar nos outros, vestidos de atitudes, tatuagens, piercings, rasgos premeditados, furos calculados, a dor sendo uma regra do vestuário. Ou a tristeza, ou a alegria, ou a intimidação... esqueceu-se disso tudo. Esqueceu-se de tudo, se acostumou com o cheiro e foi procurar um pedaço de si em uma lata de lixo.

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