1 de outubro de 2009

Quadro com Movimentos

No começo ele era tudo, o mundo havia sido prometido a ele. Sentia-se forte, poderoso, invencível. Escondia-se por trás de uma fachada frágil, mas sabia-se destinado, pré-destinado. Então vieram os dardos, as lanças a atravessarem-lhe a carne, as feridas que não cicatrizavam. Por que isso, por que agora? A fragilidade de fachada não era só fachada? A força era falsa?
A base era feita de areia, não havia calço, o caminhão desabava ladeira abaixo. As certezas todas despencaram, insustentáveis, e quando uma certeza despenca, o trabalho para criar novas certezas é muito grande, normalmente acabamos por nos contentar com probabilidades, meras, maiores ou menores.
Ele não quer ter esse trabalho. Não quer mais as certezas, com medo que voltem a despencar e a despedaçá-lo. É frágil. E os lobos acabarão com ele. É personagem secundário, que morre para valorizar a ascensão do herói de verdade. Na verdade, faria um favor ao mundo se sumisse, pois não há mais lugar para fracos frágeis - se não aguenta sustentar a própria máscara, que se dane.
Então, eu o encontrei, choramingando e reclamando, e bati. Bati com força, rasguei meus dedos em seus dentes, bati com gosto, cuspi em sua cara, esfreguei sua cabeça no chão de pedras, esfolei sua orelha. Nojo desse imbecil, nojo desse nada que não vale o chão que pisa, pois pra pisar tem que pagar, para aparecer tem que ter presença postura e altivez, no nosso mundinho zoológico, onde as feras ficam em exposição, mas permanecem enjauladas, como um quadro com movimentos.

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